O SERVIÇO DO
EREMITA
Ao ler o “Ressurgimento de Fátima”, do Trigueirinho, (Ed. S. Pensamento,
S. Paulo, 1997), lembrei-me de reproduzir uma adaptação de um capítulo sobre o
trabalho do eremita que me pareceu adequado ao propósito do tema a ser objecto
de diálogo no encontro do magusto.
Cada um
recolherá dele o que entender ser de recolher e poderá ser um eventual ponto de
partida para conversa.
Aqui fica o texto e a sugestão que ele encerra. Augusto Castro
No
decorrer do processo de aproximação à energia do Centro de Lis(*), pude ir percebendo que cada
indivíduo tem a sua específica parcela de colaboração com o Plano Evolutivo. Ainda
que em sua grande maioria eles não a cumpram, o Plano vai-se realizando da
forma que lhe é possível, procurando superar as limitações que lhe são
impostas.
Existem tarefas próprias da energia
desse Centro que são fundamentais para essa realização, sendo, portanto,
especialmente estimuladas pela Hierarquia sempre que surge uma conjuntura
favorável, capaz de comportá-las. Essas tarefas dizem respeito aos caminhos que
levam ao contacto directo com o espírito, entre os quais estão o místico e o eremítico
bem como o da oração, como meio de divinizar a matéria.
A passagem pelos chamados túneis da escuridão, ou pelo Vazio, é um
estágio necessário para o despertar de um contacto verdadeiro, permanente, e
que abarque uma realidade mais profunda - seja do próprio núcleo do ser, seja
de um Centro intraterreno ou da vida extraterrestre. Quando a consciência segue
pelas escuras trilhas do Vazio, sem as referências e fronteiras que normalmente
a vinculam à vida formal, ela pode ampliar-se ao Infinito.
Durante o período em que as experiências
ditas místicas manifestam um carácter
individual, elas ainda não são realmente místicas. O verdadeiro caminho místico
apenas tem início quando a consciência pode ir além dos limites pessoais. O
misticismo corresponde à dissolução da vida humana na vida total; é o fruto da
união que funde o transitório ao atemporal, o fragmento à Unidade.
Tudo o que um místico tem a fazer é
entregar-se e deixar que a Verdade se faça. Ele sabe que, por maior que seja a
obra de suas mãos, ela não lhe pertence. Quanto mais o espírito se engrandece
pelo que flui através dos seus canais, mais ele experimenta uma profunda
humildade. Já lhe foi dado saber que, onde as raízes da vaidade se alastram,
não há lugar para o desenvolvimento da pureza interior.
Enquanto
a vida na Terra se afunila, sufocando os homens nas suas densas carapaças, a
totalidade interior absorve os que conseguem despojar-se do estado humano. Que outro
vinculo une os habitantes do universo entre si senão a Verdade Única?
Entretanto,
é mais fácil um indivíduo permanecer solitário do que estar verdadeiramente
diante do Vazio interior. A falta de contactos externos pouco tem a ver com a
essência de uma vida de total recolhimento. Uma reclusão carregada de compromissos
acontece quando o indivíduo que se põe nessas condições ainda não amadureceu o
suficiente para reconhecer que a verdadeira solidão é interior, é uma recusa da
consciência suprema a estar vinculada a qualquer outro ponto que não seja a
Fonte da Vida.
O relacionamento em planos mais subtis
da matéria, mesmo sem o contacto externo, cria vínculos fortíssimos, alimenta ilusões
e apetites pessoais. O verdadeiro Servidor do Silêncio deve, portanto, abster--se
de relacionamentos também nesses planos.
Lis-Fátima inspira a vida eremítica,
de silêncio e de reclusão, entre outras formas igualmente santificadas. Incute no
homem a busca pelo estado de liberdade que lhe possibilitará contactar a
Realidade e a ela servir.
O eremita não luta nem sofre por
deixar algo; ele sofre quando se deixa prender. Ainda que o silêncio e o
recolhimento sejam das rotas mais directas para o encontro com o Propósito da
Vida, o real caminho do eremita é não ter caminho; seu destino e sua meta são o
Vazio.
Na solidão, ele reconhece a Única
Presença; na ausência de tudo, recebe o milagre da Plenitude. Abraçando o
incognoscível, a Sabedoria desvela-lhe seus segredos; na quietude, unifica-se
com todos os homens. Vendo-se afastado de todas as estruturas, sua própria vida
toma-se mais simples. Dissolvem-se em seu consciente as complicadas tramas que
a vida material criou no decorrer de milénios. Sendo constantemente conduzido
ao despojamento e à singeleza, toma-se como uma inocente criança que acaba de
chegar ao mundo. Sua beatitude está na ausência de complicações, no contacto
com a verdade essencial da vida. Um segundo do seu silêncio tem mais força do
que a multidão de palavras que toda a humanidade pronuncia, pois é um silêncio
que engloba em si o som de uma existência devotada ao encontro com a Realidade
Única.
Seu trabalho em reclusão, cuja acção é
invisível, dá frutos que são compartilhados por todos. O eremita assume a entrega
como companheira, e sua única estabilidade é saber que o silêncio e a solidão
são tudo que possui. Na simplicidade que brota no coração dos que chegam a viver
a essência de uma vida assim recolhida, não há lugar para vanglória, tampouco
para sentir-se superior aos seus irmãos. Do mergulho na essencialidade, da
comunhão com a vida interior, o eremita somente sabe que este é o destino que lhe
cabe. Ele não busca essa vida para mostrar-se aos olhos do mundo, mas segue-a
como o suave deslizar de uma folha que cai da árvore, sem ruído, sem
justificativas, sem questionamentos, imperceptivelmente. Sua identificação com
a chamada ao Silêncio não provém da necessidade de se provar auto-suficiente;
brota da total consciência de sua condição humana; brota da clareza de que essa
chamada o leva a morrer para o mundo, reconhecendo-se como parte de outros
Reinos, supra-humanos.
Seu despojamento estende-se à vida
interior, e assim como os seus pés acolheram com gratidão o deserto externo,
ele vive em paz a aridez dos dias de escuridão interna. Sabe que a seara que
lhe cabe não é uma colheita fácil, e nem assim o deseja. Sabe que, nessa
tarefa, a dúvida e a incerteza serão pedras que estarão constantemente atadas a
seus pés; porém, ele aderiu à aridez e à secura de um deserto interior. Sua alegria
é encontrada na simplicidade; basta que um raio de sol toque sua fronte e ai
está o sentido da vida. Ele assume o silêncio como resposta às perguntas -
reafirma em si mesmo o trilhar de uma vida sem respostas, uma vida de fé e
inteira entrega ao Desconhecido.
Um eremita não é um ser que se evade
do mundo – ele chega à solidão do mesmo modo que a solidão vem a ele: naturalmente.
Uma vida de reclusão pode ser o caminho para a realização interior, se o
indivíduo a assume sem ilusões; ela pode tornar-se, contudo, um trampolim para
o desequilíbrio, se ele leva para dentro desse silêncio todo um mundo construído
com base em fantasias.
Para assumir um estado eremítico,
portanto, a consciência deve estar espiritualmente madura. Ela pouco irá dispor
de estruturas externas que a amparem e que lhe sirvam de adaptadores da energia
que flui dos planos internos. Deverá ter bases sólidas para suportar a
transbordante fluidez que, em torrentes, descerá dos Reinos Interiores, não tanto
como elevado deleite, mas como um potencial que, por meio do serviço de
redenção da vida humana, deverá chegar à órbita psíquica do planeta.
Se existe um evoluir da solidão, ele expressa-se
pela dissolvência de estruturas; é o desenvolvimento de um processo que leva o
indivíduo a reencontrar o estado primordial do ser.
O eremita não julga os destinos, mas
aceita arrancar de si os empecilhos a um estágio superior. Nele não há lugar para
a irreverência humana; em seu silêncio liberta-se dos erros pessoais e, sem
enfrentar as forças do conflito, opta por viver a mais pura e recta expressão
da Lei. Tampouco põe barreiras à vida comunitária, pois, tendo despertado para
a consciência da verdade, conscientiza-se de que somente no Amor os homens
poderão encontrar a chave para sair do escuro poço no qual estão imersos.
Na quietude interna, o verdadeiro
eremita descobre que sua posição é estar descomprometido com o humano; é
sentir-se internamente livre para manifestar aquilo que seus níveis mais
profundos lhe indicam, sem temer as reacções externas, próprias ou alheias, e
sem render-se ao comodismo; é ser capaz de dar passos que o levarão a estar
perdido como homem. Mas salvo perante a vida do Espírito
Um ser assim é um ser liberto, sem
pouso nem morada. Reencontrou sua Casa nas profundezas da consciência e fielmente
devotou sua vida a esse reencontro. A paz somente poderá implantar-se nesta
Terra quando, sem subterfúgios, os homens estiverem diante da própria realidade
interna, em reconhecimento à Grandeza do que lhes é ofertado viver.
A Vida Suprema estimula múltiplas
expressões da energia e, em sua pureza, ela sempre levará a Criação a aproximar-se
do seu destino. Compreendia isso ainda mais profundamente quando a energia de
Lis me permeava e me fazia ver um facho de Luz que, se distribuía em inúmeros
outros raios, em todas as direcções. Embora a energia variasse em cada um
daqueles raios e o trajecto percorrido por eles fosse completamente diferente,
a Luz era sempre a mesma.
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(*):
Lis: é a energia divina que penetra a órbita da terra. Fátima: centro cuja energia está vocacionada para a
redenção e purificação das almas.
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